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Francisco: Um Pontificado Entre a Misericórdia e as Tormentas

  • 21 de abr.
  • 5 min de leitura

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A Igreja Católica, peregrina sobre a terra, despede-se de mais um sucessor de Pedro. A morte do Papa Francisco marca o fim de um pontificado que, entre aplausos e críticas, entre avanços pastorais e tensões doutrinais, buscou manter viva a missão do Evangelho num mundo cada vez mais fragmentado. Jorge Mario Bergoglio, o primeiro papa jesuíta e o primeiro latino-americano a ocupar a cátedra de Pedro, deixa um legado que será debatido por décadas. Sua passagem pelo trono de Roma não foi neutra, tampouco facilmente classificável. Para muitos, foi o Papa da misericórdia. Para outros, o de ambiguidades. Mas para todos, foi, inegavelmente, o Papa.



A Doutrina que Permanece



Ainda que vozes exaltadas tenham tentado impugnar sua ortodoxia, o Papa Francisco nunca revogou ou modificou o depósito da fé. Ao contrário, reafirmou em diversas ocasiões o valor inviolável da vida humana desde a concepção, o matrimônio como união entre homem e mulher, e o papel insubstituível da família segundo o plano de Deus. Em sua exortação Amoris Laetitia (2016), embora duramente criticado por alguns setores eclesiais, Francisco reafirmou a doutrina moral católica, ainda que tenha aberto caminhos pastorais para o acompanhamento de situações irregulares. Muitos leram ali confusão; outros, um convite à caridade pastoral. A crítica justa aponta que, talvez, lhe tenha faltado precisão teológica no trato público de temas sensíveis. Ainda assim, seria injusto concluir que o Papa tenha promovido uma revolução doutrinária – o que ele claramente não fez.


Documentos como a Evangelii Gaudium (2013) e a Laudato Si’ (2015) marcaram seu pontificado. A primeira apresentou um projeto de renovação missionária da Igreja. A segunda, uma corajosa encíclica ecológica – mas que, diferentemente do que foi vendido por muitos, está firmemente ancorada na antropologia cristã e no magistério social dos papas anteriores. A Fratelli Tutti (2020), embora mais horizontal e dialogante, propôs uma fraternidade enraizada na dignidade humana universal, sem jamais negar a especificidade da fé católica.



Francisco Contra a Ideologia de Gênero



Se é verdade que muitos o rotularam de progressista, não é menos verdade que poucos se deram ao trabalho de ouvir com atenção suas palavras sobre os desafios contemporâneos à antropologia cristã. Francisco denunciou de forma inequívoca a ideologia de gênero, chamando-a de “colonização ideológica”, inclusive em ambientes internacionais. Para ele, a ideologia que desconsidera a diferença sexual é uma ameaça à dignidade humana e à estabilidade social. Neste aspecto, Francisco foi mais contundente que muitos de seus predecessores, ainda que menos percebido devido à aura de simpatia com que a imprensa o cercava.



Uma Misericórdia que Gerou Confusão



Francisco foi, sem dúvida, o papa da misericórdia. Não só por ter convocado o Jubileu Extraordinário em 2015, mas porque todo seu estilo pastoral buscava refletir o coração compassivo de Cristo. Esse foco, no entanto, gerou incompreensões. Muitos esperavam condenações claras; ele oferecia acolhimento. Esperava-se um martelo; ele estendia a mão. A confusão não nasceu tanto dos princípios, mas da comunicação. Faltou, em muitas ocasiões, o cuidado de explicar claramente os limites da pastoral dentro da doutrina. Francisco se viu mais de uma vez tendo que “corrigir mal-entendidos”, esclarecer entrevistas, e desdizer frases mal formuladas. Foi um papa que falou demais, às vezes no tom errado.


É legítimo reconhecer que essa dificuldade em comunicar com clareza, em tempos de redes sociais e polarizações ideológicas, se tornou um obstáculo para sua missão. Em vez de promover a unidade, algumas de suas declarações pareceram estimular divisões. Ainda assim, seu esforço de mostrar o rosto acolhedor da Igreja não pode ser ignorado. Francisco queria uma Igreja como “hospital de campanha”, e para isso expôs-se ao risco de parecer permissivo. É um preço que escolheu pagar.



A Fragilidade nas Escolhas



Um dos aspectos mais discutíveis de seu governo foi a nomeação de colaboradores. Nem sempre os cardeais e bispos por ele promovidos foram exemplos de fidelidade doutrinal, zelo pastoral ou prudência eclesial. Muitos, ao contrário, mostraram-se confusos ou mesmo abertamente contrários à tradição. Isso pesou contra o pontificado, manchando sua credibilidade. Em tempos onde o discernimento é crucial, Francisco pareceu confiar demais em figuras que não partilhavam plenamente da visão da Igreja como corpo místico de Cristo.


Por outro lado, enfrentou com firmeza escândalos antigos e promoveu reformas financeiras e estruturais importantes no Vaticano, especialmente com relação ao Instituto para as Obras de Religião (o chamado Banco do Vaticano). Também enfrentou casos de abusos sexuais com mais transparência do que seus predecessores, ainda que os resultados nem sempre tenham sido consistentes.



Contra os Dois Extremismos



Francisco esteve sob o fogo cruzado. De um lado, os sedevacantistas, tradicionalistas extremados e alguns grupos católicos midiáticos que pareciam esquecer a caridade em nome da ortodoxia, o atacaram duramente. Acusaram-no de herege, antipapa, usurpador. Muitos pareciam mais desejosos de vê-lo cair do que de servi-lo em oração. De outro lado, setores progressistas tentaram instrumentalizar sua imagem para promover agendas anticatólicas, louvando-o apenas quando dizia o que lhes agradava – e calando-se quando reafirmava a doutrina da Igreja.


Ele foi odiado por ter defendido os migrantes, mas também foi ignorado quando falou contra o aborto. A mesma imprensa que o exaltou por gestos de humildade o ignorou quando exortou jovens a se abrirem à vida ou criticou o divórcio banalizado. Foi usado como símbolo de uma “nova Igreja”, que ele jamais quis fundar.



Um Papa Argentino no Cenário Global



Para muitos latino-americanos, e especialmente brasileiros, houve incômodo com algumas declarações do Papa. Quando afirmou, numa entrevista, que certa ex-presidenta foi “injustamente julgada”, ou que um político controverso foi vítima de perseguição, não falava como pastor universal da Igreja, mas como argentino – com as limitações próprias de seu contexto cultural e de suas simpatias pessoais. Isso gerou perplexidade e, por vezes, rejeição. No entanto, diferenciar o homem Jorge Mario Bergoglio do Papa Francisco é necessário. Ele nunca canonizou regimes ou ideologias, nem fez da Igreja uma trincheira política. Suas falas, embora infelizes, não afetaram o magistério da Igreja.



A Igreja Continua



Francisco morreu Papa, legitimamente eleito, e jamais abandonou sua missão. Conduziu a barca de Pedro em meio a ventos tempestuosos, e mesmo entre hesitações e erros de percurso, jamais se afastou da fé da Igreja. Ele foi Pedro. E onde está Pedro, está a Igreja. A barca segue. A Sé de Roma permanece, e com ela a promessa do Senhor: “As portas do inferno não prevalecerão”.


Hoje, a Igreja agradece a Deus por este pontificado, reza por sua alma e pede ao Espírito Santo que prepare o coração dos fiéis para acolher o próximo Sucessor de Pedro. O Papa Francisco partiu. A Igreja permanece.



Oremos por ele:


Senhor Jesus Cristo, Bom Pastor e Sumo Sacerdote, recebe em teus braços o teu servo Francisco, que serviu tua Igreja como Sucessor de Pedro. Purifica-o de suas faltas, acolhe sua alma na tua paz, e concede à tua Igreja um novo pastor segundo o teu Coração. Que a semente de misericórdia que ele espalhou floresça agora em justiça e verdade. Amém.


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