top of page

Humildade: A Marca da Verdadeira Piedade segundo os Padres do Deserto

  • 19 de abr.
  • 3 min de leitura

Vivemos tempos


Por Thácio Siqueira


Vivemos tempos em que a piedade, muitas vezes, se confunde com espetáculo. Há os que jejuam com arrogância, que rezam com ostentação, que corrigem os irmãos sem terem se corrigido a si mesmos. Num mundo marcado pelo voluntarismo e pela autossuficiência espiritual, convém escutar com reverência os ecos antigos que ainda sopram do deserto. Ali, entre pedras e silêncio, os santos Padres nos deixaram um testemunho eterno: a humildade é o sinal da verdadeira piedade.


Não é o número de orações recitadas, nem a severidade das penitências, nem mesmo os milagres realizados que demonstram o grau da união com Deus. É a humildade. O inimigo pode imitar quase todas as virtudes. Pode jejuar, pode vigiar, pode isolar-se. Mas ele não pode ser humilde. Por isso, a humildade desarma os demônios — e salva os santos.



A Humildade de Abba Macário



Um dos episódios mais comoventes da literatura dos Padres do Deserto é aquele que envolve Abba Macário, o Grande. Certa tarde, ao retornar do pântano com um feixe de palha nos ombros, foi confrontado por um demônio que, com uma foice, tentou feri-lo. Em vão. Tentou de novo — e nada.


O espírito maligno então confessou:


“Grande sofrimento me causas, Macário! Tudo o que tu fazes, eu também faço. Tu jejuas? Eu não como. Tu velas? Eu não durmo. Tu moras no deserto? Eu também. Mas há uma coisa que tens que me vence completamente: a tua humildade. E por isso, nada posso contra ti.

Macário, como verdadeiro amigo de Cristo, guardou silêncio. A humildade não precisa se justificar. Ela fala por si. E, diante dela, o próprio inferno se cala.



Milagres sem humildade: perdição certa



Outra história, recolhida das tradições orais dos monges, narra o destino trágico de um monge que realizava sinais e prodígios. Curava os doentes, expulsava demônios, era admirado e consultado. Mas o seu coração não era pobre diante de Deus.


Um dia, o tentador apresentou-se a ele como um anjo de luz e disse:


“Tu és o escolhido dos últimos tempos. Mais puro que os profetas. Mais amado que os santos.”

Ele acreditou. E caiu. A soberba o tragou como um abismo.


Um ancião, ao ouvir o que ocorrera, resumiu assim:


“Não vos maravilheis com prodígios. Mais vale um monge que se julga indigno de rezar do que aquele que ressuscita mortos e perece pela soberba.

A verdadeira piedade não brilha aos olhos do mundo, mas arde no segredo do coração.



A correção começa por si mesmo



O jovem monge desejava praticar a justiça. Viu seu companheiro cometer uma falta e correu ao seu mestre, Abba Poemen, para pedir autorização para repreendê-lo.


— “Abba, ele não jejua como os outros. Dorme quando deveríamos vigiar. Posso corrigi-lo?”


O velho ancião respondeu com ternura firme:


“Filho, quando uma casa começa a cair, tu colocas andames do lado de fora ou fortaleces o alicerce? Corrige primeiro a ti mesmo. O começo da salvação é a humildade.”

Quantas vezes, em nome da verdade, condenamos os irmãos com espírito soberbo? Quantas vezes nos tornamos juízes, quando deveríamos ser intercessores? A humildade ensina a calar, a perdoar e a começar sempre por dentro.



Abba Moisés e o saco de areia



Por fim, reluz como pérola rara o gesto silencioso de Abba Moisés, o Etíope. Um irmão havia caído em pecado, e os anciãos reuniram-se para julgá-lo. Moisés relutou. Quando foi, chegou carregando às costas um saco de areia furado, deixando um rastro no chão.


“Por que isso?”, perguntaram.


Meus pecados vazam por trás de mim, e eu não os vejo. E venho eu julgar os pecados dos outros?

Nada mais foi dito. O julgamento foi suspenso. O irmão foi perdoado. E todos entenderam: a humildade ensina a misericórdia. Somente quem conhece sua própria miséria é capaz de amar o pecador com o amor de Cristo.



A humildade desarma os demônios



Os Padres do Deserto não buscavam aplausos. Fugiam deles. Não desejavam milagres, nem títulos, nem discípulos. Desejavam a Deus. E sabiam que Deus só habita o coração humilde.


No mundo atual, onde tantos confundem espiritualidade com performance, e oração com vaidade, precisamos aprender com eles. Porque o diabo não teme o voluntarista. Ele não foge do ativista espiritual. Mas ele treme diante do humilde.


Disse Santo Isaac, o Sírio:
Este é o homem verdadeiramente humilde: aquele que, mesmo possuindo todas as virtudes, diz a si mesmo: ‘Sou apenas um cão imundo’.


Se, ao final da tua vida, puder dizer: “Aprendi a ser pequeno”, então terás aprendido o essencial. Pois como disse o Senhor:


“Aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração, e encontrareis repouso para as vossas almas.” (Mt 11,29 — Bíblia de Jerusalém)

ree

Quer receber mais reflexões como essa?

Acompanhe meus escritos em www.thaciosiqueira.com.br

Ou peça para entrar na lista de transmissão de whatsapp de conteúdos devocionais e espirituais no WhatsApp clicando aqui.



Comentários


Age Quod Agis - Faça Bem o Que Você Faz, com Presença e Intenção

bottom of page