Leão XIV: Uma Igreja em Saída, Tecendo Pontes de Esperança, Paz e Unidade nos Alvores de um Novo Pontificado
- 7 de jun.
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Os primeiros dias do pontificado de Leão XIV, iniciado sob a luz pascal de maio de 2025, revelam um pastor firmemente ancorado na rica tradição da Igreja, mas com os olhos voltados para os desafios urgentes do tempo presente. Suas palavras e gestos iniciais, dirigidos a uma vasta gama de públicos – do Colégio Cardinalício ao Corpo Diplomático, dos movimentos eclesiais aos trabalhadores do Vaticano, e aos fiéis do mundo inteiro, especialmente aqueles que sofrem –, delineiam um ministério dedicado à esperança, à busca incessante pela paz e à construção da unidade em um mundo fragmentado.
Logo de início, ao encontrar os cardeais que o elegeram, o Papa Leão XIV expressou profunda gratidão e posicionou seu ministério em clara continuidade. Ele honrou a memória do “saudoso Papa Francisco”, destacando seu estilo de “total dedicação ao serviço e sobriedade essencial na vida”, e reafirmou a adesão da Igreja universal ao caminho traçado pelo Concílio Vaticano II. Essa jornada conciliar, segundo o pontífice, foi magistralmente atualizada pelo Papa Francisco na Exortação Apostólica Evangelii gaudium, que ele faz questão de sublinhar, mencionando pontos fundamentais como o primado de Cristo no anúncio, a conversão missionária de toda a comunidade cristã, o crescimento na colegialidade e sinodalidade, a atenção ao sensus fidei e à piedade popular, o cuidado amoroso com os marginalizados e excluídos, e o diálogo corajoso e confiante com o mundo contemporâneo.
A escolha de seu nome, Leão XIV, não é aleatória. É uma homenagem a Leão XIII, o Papa da histórica Encíclica Rerum novarum, que abordou a questão social no contexto da primeira revolução industrial. Para Leão XIV, essa memória histórica é vital. Ele vê a Doutrina Social da Igreja como uma riqueza fundamental para responder à “outra revolução industrial e aos desenvolvimentos da inteligência artificial, que trazem novos desafios para a defesa da dignidade humana, da justiça e do trabalho”. Essa conexão com o legado social da Igreja é um sinal de que o novo pontificado pretende enfrentar as desigualdades e injustiças contemporâneas com base em princípios éticos sólidos.
Esperança no Ano do Jubileu: Peregrinos e Semeadores
O ministério de Leão XIV inicia-se no coração de um Ano Santo dedicado à esperança. Ele convida os fiéis a serem “peregrinos de esperança” e a testemunhar essa esperança a um mundo que “sofre tanto, tanto dor, por guerras, violência, pobreza!”. A esperança cristã não é um otimismo ingênuo, mas está enraizada na ressurreição de Jesus, que é o “fundamento indestrutível”. Em Jesus Cristo, “última esperança de quem procura com sinceridade a verdade, a justiça, a paz e a fraternidade”, encontramos o alicerce.
Em suas catequeses das Audiências Gerais, o Papa tem explorado as parábolas de Jesus como fontes que “nos ajudam a redescobrir a esperança”. A parábola do semeador ilustra a “dinâmica da palavra de Deus e dos efeitos que ela produz”. O “semeador muito original” que lança a semente “até onde é improvável que dê fruto” é uma imagem poderosa de como Deus nos ama: “não espera que nos tornemos o melhor terreno, concede-nos sempre generosamente a sua palavra”. Essa generosidade divina é a rocha sobre a qual a esperança se fundamenta. A semente, que é a Palavra e o próprio Jesus, deve morrer para dar fruto, indicando a disposição de Deus em "desperdiçar" por nós.
A parábola dos operários na vinha reforça essa mensagem de esperança, especialmente para aqueles que se sentem “inúteis, inadequados”. O dono da vinha, que representa Deus, “sai pessoalmente” em busca de trabalhadores, mesmo na “última hora do dia de trabalho”. Para o Papa, isso significa que “até quando nos parece que podemos fazer pouco na vida, vale sempre a pena. Há sempre a possibilidade de encontrar um sentido, pois Deus ama a nossa vida!”. A surpresa vem na hora do pagamento, onde todos recebem o mesmo salário. A “lógica da generosidade de Deus vai além da nossa concepção de justiça: Ele quer doar-se por inteiro a quem lhe abre o coração”. Essa é a esperança: o reconhecimento da “absoluta dignidade humana”, que Deus quer pagar com “aquilo que é necessário para viver”. Ele exorta especialmente os jovens: “Não tenham medo de trabalhar na vinha do Senhor! Não adiem o encontro com Aquele que é o único que pode dar sentido à nossa vida”.
Um Apelo Incansável e Veemente pela Paz
A paz é, sem dúvida, um dos temas mais urgentes e frequentemente abordados por Leão XIV. Em um mundo que o Papa Francisco chamou de “terceira guerra mundial em pedaços”, ele eleva um apelo que ressoa 80 anos após o fim da Segunda Guerra Mundial: “Nunca mais a guerra!”.
Suas palavras são diretas e carregadas de dor diante dos conflitos atuais. Ele tem no coração os sofrimentos do “amado povo ucraniano”, pedindo que “se faça tudo o que for possível para alcançar uma paz autêntica, justa e duradoura o mais rapidamente possível”, incluindo a libertação de prisioneiros e o regresso de crianças às suas famílias. Sua “profunda consternação” diante do que ocorre na Faixa de Gaza o leva a clamar por um “Cessar-fogo imediatamente!”. Ele exige que “seja prestada ajuda humanitária à população civil extenuada e que todos os reféns sejam libertados”. Posteriormente, ele renova o “veemente apelo” para que se permita a entrada de “ajudas humanitárias dignas” e se ponha fim às hostilidades, cujo preço é pago por crianças, idosos e doentes. O pranto das mães e dos pais em Gaza que abraçam os corpos sem vida dos filhos e são forçados a deslocar-se incessantemente por comida e abrigo é um clamor que se eleva ao Céu.
Para Leão XIV, a paz não é apenas a “mera ausência de guerra e de conflito”, mas um “dom ativo, envolvente” que vem de Cristo: “Deixo-vos a paz, a Minha paz vos dou. Não vo-la dou como o mundo a dá” [33, citando Jo 14:27]. Essa paz divina “não é o silêncio sepulcral depois de um conflito, não é o resultado de um esmagamento, mas é um dom que olha para as pessoas e reativa a sua vida”. Buscar a paz exige “diálogo, negociação” e, crucialmente, desarmamento. Mas este desarmamento deve ser também de “palavras e corações”. Ele advoga por uma comunicação que rejeite a “guerra das palavras e das imagens” e promova a “não-violência como método e como estilo”. A Igreja, afirma, está “disponível para que os inimigos se encontrem e se fitem nos olhos”, pois “a guerra nunca é inevitável, as armas podem e devem ser silenciadas”. A história, lembra, “ficará na história quem semeia a paz, não quem ceifa vítimas”.
Justiça, Dignidade e o Rosto Compassivo da Igreja
Seguindo a inspiração de Leão XIII e a riqueza da Doutrina Social da Igreja, o pontífice insiste na necessidade de enfrentar as “inúmeras injustiças” que levam a condições de trabalho indignas e a sociedades fragmentadas. A inteligência artificial e as “desigualdades globais” são desafios que exigem atenção.
A defesa da “dignidade de toda pessoa humana” é um pilar central, estendendo-se “do nascituro ao idoso, do doente ao desempregado, seja ele cidadão ou imigrante”. Sua própria experiência de vida como “cidadão, descendente de imigrantes, a sua vez emigrado” lhe confere uma perspectiva pessoal sobre a universalidade da dignidade: “a sua dignidade porém permanece sempre a mesma, aquela de criatura querida e amada por Deus”. Ele encoraja a escuta e a valorização dos pobres, não apenas como destinatários da Doutrina Social, mas como “tesouro da Igreja e da humanidade”, portadores de “pontos de vista descartados, mas indispensáveis para ver o mundo com os olhos de Deus”. Eles são os “continuadores e atualizadores” da Doutrina Social, vivendo nas “periferias existenciais, onde a esperança resiste e germina sempre”. Ele exorta: “dar a palavra aos pobres!”.
A parábola do Bom Samaritano é usada para ilustrar o chamado à compaixão. O doutor da Lei que pergunta quem é o “próximo” é convidado a mudar de perspectiva: em vez de perguntar quem deve amar, ele deve “fazer-se próximo”. Leão XIV enfatiza que a compaixão é uma “questão de humanidade antes de ser religiosa”. É preciso “envolver-se, sujar-nos, talvez contaminar-nos” para ajudar verdadeiramente. O Samaritano, apesar de pertencer a um povo desprezado, mostra que a “compaixão exprime-se através de gestos concretos”. Lembrar “todas as vezes que Jesus parou para cuidar de nós tornar-nos-á mais capazes de compaixão”.
Unidade e Diálogo: O Roteiro da Fraternidade
Um “ponto forte do pontificado do Papa Francisco”, que Leão XIV pretende seguir, foi a fraternidade universal. A busca pela unidade e o diálogo são pilares de seu ministério. O lema que escolheu, **"*In Illo uno unum*"** (N'Aquele que é um, somos um só), retirado de Santo Agostinho, reflete essa prioridade: a unidade visível entre todos os cristãos se realiza na “convergência no Senhor Jesus”. Ele reconhece que essa unidade é “obra do Espírito Santo” e que “sinodalidade e ecumenismo estão intimamente ligados”.
O 1700º aniversário do Concílio de Niceia é visto como uma “oportunidade inestimável” para o diálogo ecumênico. Retornar a essa “fonte comum” e aprofundar a “fé cristológica” ajudará a ver as divisões sob uma nova luz. Ele expressa a abertura da Igreja Católica para buscar uma “solução ecumênica” para a data comum da Páscoa, um objetivo do próprio Concílio de Niceia, cuja falta “enfraquece a credibilidade do nosso testemunho do Evangelho”.
O diálogo não se limita ao âmbito cristão. Leão XIV valoriza o diálogo inter-religioso. Ele saúda especialmente os “irmãos e irmãs judeus e muçulmanos”. Com o judaísmo, há uma “relação especial” e um “patrimônio espiritual partilhado”. Com os muçulmanos, que “adoram o Deus Único”, as relações são marcadas por um crescente “empenho no diálogo e na fraternidade”. Ele reitera a importância do “respeito mútuo e a liberdade de consciência” como base para construir pontes. Leão XIV está “convencido de que, se estivermos de acordo e livres de condicionamentos ideológicos e políticos, poderemos ser eficazes em dizer ‘não’ à guerra e ‘sim’ à paz”.
A unidade também é um chamado para a própria Igreja. Dirigindo-se aos movimentos e associações eclesiais, ele lembra que “ninguém é cristão sozinho!” e que a vida cristã é vivida “com outros, em grupo, em comunidade”. Os carismas suscitados pelo Espírito existem para que a graça sacramental frutifique e para “despertar nos corações o desejo de um encontro com Cristo”. Esses movimentos são chamados a ser “fermento de unidade, de comunhão e de fraternidade” em um mundo dilacerado pela discórdia.
As Diversas Faces da Igreja em Missão
Leão XIV tem dedicado atenção a diversas realidades eclesiais. Recebeu com carinho os participantes do Jubileu das Igrejas Orientais, chamando-as de “preciosas”. Ele reconhece sua “história gloriosa e amargos sofrimentos”, e cita o Papa Francisco ao definir essas Igrejas como “martiriais”. Sua riqueza espiritual, litúrgica e sapiencial é um “tesouro inestimável”. Preocupa-o a situação dos orientais na diáspora, que correm o risco de perder sua identidade religiosa, e pede um esforço para preservar e promover seu legado.
Ao receber os Irmãos das Escolas Cristãs, Leão XIV destacou a importância da educação. Ele valoriza o ensino como “ministério e missão”, resgatando a frase atribuída ao fundador: “O vosso altar é a cátedra”. A educação, segundo ele, é um processo de “evangelizar educando e educar evangelizando” [45, citando Papa Francisco]. Ele sublinha a necessidade de “cultivar o sentido crítico” nos jovens e alerta sobre os riscos do esporte, que, ao se tornar negócio, pode perder seu valor educativo, pedindo vigilância sobre a “qualidade moral da experiência esportiva”.
Aos agentes da comunicação, ele agradece o serviço à verdade e pede que sejam “pacificadores” em seu ofício. Defende a liberdade de expressão e de imprensa, lembrando dos jornalistas presos por buscar a verdade. Insta a comunicação a sair da “torre de Babel” de linguagens sem amor e a se tornar um espaço de diálogo, capaz de “escutar a voz dos fracos que não têm voz”. Seguindo o Papa Francisco, ele pede que a comunicação seja “desarmada”, para ajudar a “desarmar a Terra”.
Aos funcionários da Cúria Romana e do Estado da Cidade do Vaticano, ele expressa gratidão pelo “serviço que desempenhais”. Lembra que a Cúria “preserva e transmite a memória histórica” e tem uma “dimensão missionária”, colaborando na missão do Papa de “servir a comunhão, a unidade, na caridade e na verdade”. Sua própria experiência missionária no Peru moldou sua vocação pastoral.
Ao Corpo Diplomático, ele apresenta a diplomacia da Santa Sé como expressão da catolicidade e animada por uma “urgência pastoral” a serviço da humanidade, buscando não privilégios, mas intensificando a missão evangelizadora.
A devoção à Virgem Maria perpassa seus discursos. Ele a invoca frequentemente como Mãe da Igreja, Estrela do Mar, sinal de esperança, modelo de acolhimento de Deus, e intercessora pela paz e pelo seu ministério. O terço é recomendado para rezar diariamente pela paz.
Um Começo Sustentado pela Fé e pela Esperança
Os primeiros meses do pontificado de Leão XIV, embora curtos, são intensos e programáticos. As palavras proferidas e os encontros realizados trazem a marca de um pastor que, reconhecendo sua própria fragilidade, confia plenamente na misericórdia do Senhor que o escolheu. Ele se vê como um continuador do caminho sinodal e missionário de seus antecessores, especialmente o Papa Francisco.
Seu chamado à esperança não é passivo, mas ativo e comprometido, convidando cada batizado a ser “sinal de esperança no mundo de hoje”. A busca pela paz é apresentada como uma exigência evangélica e humana, que passa pelo diálogo, pelo desarmamento e pela compaixão concreta. A unidade, tanto dentro da Igreja quanto entre os povos, é o horizonte de seu serviço.
Sustentado pela fé no Espírito Santo, que guia a Igreja, Leão XIV tece pontes e cultiva o encontro, buscando que a Igreja seja sempre “fermento de unidade, de comunhão, de fraternidade”. Os primeiros passos de Leão XIV ecoam a confiança de Santo Agostinho que inspira seu lema: N'Aquele que é um, somos um só. É um pontificado que se anuncia com uma linguagem clara, compassiva e, acima de tudo, cheia da esperança que vem de Cristo.





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