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Meditação sobre a Quarta-feira Santa: A Sombra da Traição

  • 16 de abr.
  • 4 min de leitura

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“E Satanás entrou em Judas, chamado Iscariotes, um dos Doze.”
(Lucas 22,3)

A Quarta-feira Santa é um dia envolto em sombras. Diferente da luz que emana do Domingo de Ramos ou do silêncio compassivo da Sexta-feira da Paixão, esta quarta-feira se destaca por um amargor profundo, quase escondido — como que em sussurros e olhares desviados. É o dia em que a traição se cristaliza. É o dia em que Judas vende o Amor por trinta moedas. O dia em que a escuridão dá seu último passo antes de cobrir o mundo inteiro no Calvário.


As visões dos místicos, como a Beata Ana Catarina Emmerich e a Venerável Maria de Ágreda, enriquecem esse dia com uma profundidade quase insuportável, pois nos convidam a enxergar não apenas os fatos exteriores, mas as comoções interiores que sacudiram o coração de Cristo. A alma do Senhor, sensível ao menor sofrimento humano, estava imersa numa angústia crescente. Não apenas pela aproximação da dor física que sofreria, mas sobretudo pela dor espiritual: a traição de um dos seus.


Cristo, desde o início, sabia. Cada olhar que lançava sobre Judas era tingido de compaixão, não de desprezo. Ele o amava. Escolheu-o. Confiou-lhe a bolsa com o dinheiro do grupo, sinal claro de confiança. Mas Jesus não era ingênuo. Ele conhecia o fundo das almas. Sabia dos desvios interiores, das rachaduras invisíveis, das concessões sutis que, como um fio de cabelo sob uma muralha, com o tempo, permitem que tudo desmorone. Judas foi se afastando devagar, pela ambição, pelo orgulho, pelo ressentimento talvez, e por fim… pelo desespero.


Segundo Ana Catarina Emmerich, na Quarta-feira Santa, Jesus se retirou para um lugar mais solitário do que o habitual. Era como se já não suportasse a presença ruidosa das multidões. Havia em Seu rosto um peso, uma preocupação profunda. Não era medo — o medo é próprio de quem é pego de surpresa —, mas era o sofrimento voluntário de quem decide beber até a última gota do cálice do abandono.


Enquanto isso, Judas se dirigia aos sumos sacerdotes. Em sua visão, Emmerich descreve a sala como mal iluminada, cheia de figuras astutas e hipócritas, homens religiosos de aparência, mas corações cheios de ódio. Judas hesita. Ele parece dividido. Mas quando o sacerdote principal lança as moedas de prata sobre a mesa, algo se quebra por dentro. Um estalo na alma. A tentação vence. A ambição fala mais alto. E o demônio, que já rondava como fera à espreita, entra com violência no coração daquele que fora amigo do Salvador.


Que silêncio deve ter habitado o Céu neste momento…


Quarta-feira Santa é o dia do “sim” à traição. Mas também é o dia do “sim” à obediência. Pois enquanto Judas conspira nas sombras, Jesus se oferece na luz da oração. Ele se entrega ao Pai. Ele se recolhe. Ele prepara a alma para a tempestade. Ele perdoa, mesmo antes de ser ferido. Ele ama, mesmo sabendo que será odiado. Ele espera, mesmo sabendo que será abandonado.


Maria Santíssima, em suas visões reveladas a Maria de Ágreda, também percebe que algo terrível se aproxima. Seu coração de Mãe pulsa acelerado. Ela ora incessantemente. Seus olhos estão marejados. Não há palavras. Apenas o silêncio de uma dor que só as mães entendem: o pressentimento da perda. Mas ela se une à vontade de Deus. Ela aceita. Ela oferece. Ela ama.


Na Quarta-feira Santa, somos convidados a meditar sobre a traição — não apenas a de Judas, mas a nossa. Toda vez que nos afastamos de Cristo, toda vez que vendemos nossa consciência por algum prazer, por um alívio imediato, por um conforto sem verdade, estamos repetindo a noite escura de Iscariotes. Toda vez que negligenciamos a oração, que rejeitamos o perdão, que desprezamos o próximo, tornamo-nos cúmplices daquele beijo traiçoeiro no Horto.


Mas Jesus não rejeita Judas. Ainda ali, mesmo depois da venda, o Senhor continua a estender a mão. A misericórdia permanece até o último instante. É Judas quem se recusa a crer no perdão. É ele quem se fecha no desespero. Quarta-feira Santa, por isso, é também um chamado: não é tarde demais. Ainda dá tempo. O traidor pode se tornar mártir, o pecador pode ser santo, o ferido pode ser curado.


E você? Onde está nesta Quarta-feira Santa? No caminho da traição ou da fidelidade? No rumor da conspiração ou no recolhimento da oração? Na ambição de Judas ou na confiança de João? No desespero ou na esperança?


Permita que este dia seja um tempo de recomeço. Silencie o coração. Ouça os passos do Senhor. Ele ainda caminha ao seu lado. Ainda há tempo. Ainda há cruz. Ainda há amor.


“Amigo, com um beijo trais o Filho do Homem?”
(Lucas 22,48)

Este é o dia do beijo. Que o nosso, diferente daquele, seja de reparação. Que, em silêncio, possamos beijar os pés de Cristo, ainda que espiritualmente, pedindo: “Perdoa, Senhor, as minhas muitas traições… mas olha, hoje eu volto. Hoje, eu volto a ser Teu.”



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