O Funeral que Desmentiu o Fim da Fé
- Thácio Siqueira
- 27 de abr.
- 5 min de leitura

Dizem que vivemos em tempos pós-religiosos. Dizem que o homem moderno superou Deus como quem supera um mito da infância. Dizem que a ciência, a técnica e o prazer bastam ao coração humano, e que a fé é apenas um resto arqueológico, um costume social que vai, inevitavelmente, se extinguindo. Dizem. Mas a realidade parece dizer outra coisa.
A morte do Papa Francisco, ocorrida em meio à celebração da Páscoa de 2025, abriu uma janela inesperada para contemplarmos a alma do mundo contemporâneo. De repente, toda aquela civilização aparentemente tão indiferente ao sagrado se voltou para Roma, para São Pedro, para aquele caixão simples carregando o corpo de um homem velho, vestido de branco. Líderes de Estado de todo o planeta, chefes de nações que se proclamam laicas, agnósticas, até mesmo ateias, interromperam suas agendas. Redes de comunicação, que muitas vezes zombam ou ignoram a religião, cobriram o evento com horas intermináveis de transmissão. Milhões de pessoas, crentes e não crentes, acompanharam emocionadas um funeral cristão, rezaram, choraram, refletiram.
E então, a pergunta inevitável: como é possível? Como explicar esse eco planetário diante da morte de um papa, se realmente Deus tivesse sido superado? Se a religião fosse apenas um resquício do passado, por que tamanha comoção?
A pretensa indiferença religiosa do nosso tempo é mais aparência do que realidade. O coração humano continua faminto de Deus. Pode tentar disfarçar, pode tentar sufocar esse clamor, pode ocupar-se com mil distrações. Mas o grito por sentido, a sede de eternidade, a busca pelo Absoluto não morrem. Podem ser adormecidas, abafadas, caricaturadas — mas não morrem. E é precisamente em momentos como este, na hora da morte, na hora em que todas as vaidades humanas se mostram impotentes diante do mistério, que essa fome se revela com força irresistível.
O eco mundial da morte do Papa Francisco não é apenas homenagem a um líder respeitado; é um espelho da alma humana. É como se, sem querer, o mundo inteiro confessasse: “Ainda precisamos de Deus. Ainda precisamos de sentido. Ainda precisamos que alguém nos diga que a vida vale mais do que a morte, que o amor é mais forte do que o esquecimento.”
A Igreja, mesmo em meio às suas fraquezas humanas, permanece como uma sentinela do eterno. E é exatamente porque ela resiste a ser absorvida pelo espírito do mundo que continua a provocar, a incomodar, a fascinar. Se a Igreja se rendesse, se ela se adaptasse ao relativismo e ao hedonismo reinantes, perderia imediatamente sua relevância. Seria apenas mais uma ONG, mais uma voz no coro das ideologias. Mas porque a Igreja — com todos os seus limites — teima em apontar para o Alto, teima em proclamar o Céu, teima em falar de pecado, redenção e vida eterna, ela continua a ser uma referência insubstituível.
O Papa Francisco foi um homem marcado por esse paradoxo. Por um lado, procurou incessantemente dialogar com o mundo, abrir portas, construir pontes. Por outro, nunca deixou de afirmar que a Igreja não é uma simples instituição humana, mas o Corpo de Cristo na história, com a missão de levar a salvação a todos. Foi criticado tanto por aqueles que queriam uma Igreja mais “moderna” quanto por aqueles que desejavam uma Igreja mais “rígida”. No entanto, sua morte mostrou que, mais do que ideologias, o que permanece é a sede de Deus que pulsa no fundo da humanidade.
A presença maciça de líderes de todas as culturas e religiões no funeral não é um mero gesto diplomático. É um ato de reconhecimento — consciente ou não — de que a Igreja Católica, fundada por Cristo, continua a ser uma coluna e sustentáculo da verdade (cf. 1Tm 3,15). E que o Papa, como sucessor de Pedro, continua a exercer uma função que nenhuma outra instituição ou liderança mundial consegue substituir: ser sinal visível da unidade, ser farol de esperança, ser ponte entre a terra e o céu.
Vivemos, sim, em um mundo que se declara secularizado. Mas essa secularização é superficial. É a espuma da superfície, não a corrente profunda. Embaixo das modas ideológicas, embaixo do pragmatismo tecnológico, o coração humano continua a clamar: “Mostra-nos o Pai, e isso nos basta!” (cf. Jo 14,8). Continua a desejar o Infinito, continua a sofrer diante da morte, continua a buscar a Verdade que ilumine sua existência.
É significativo que tantas pessoas tenham parado suas vidas para acompanhar um ritual cristão, que falava de ressurreição, de fé, de esperança. Mesmo aqueles que não creem não puderam ignorar o acontecimento. Porque, no fundo, a morte de um Papa é um lembrete brutal de nossa própria mortalidade. E, ao mesmo tempo, um sinal de que a história humana não é absurda, de que existe uma esperança que vai além do túmulo.
A Igreja, ao manter sua fidelidade à sua missão divina, resiste ao pensamento único que tenta nivelar tudo ao imediatismo, à utilidade, ao prazer. Ela lembra ao mundo que o homem não vive apenas de pão (cf. Mt 4,4). E é exatamente essa resistência que a torna insubstituível. O mundo não precisa de uma Igreja domesticada, de uma Igreja adaptada às modas. Precisa de uma Igreja santa, livre, ousada — mesmo que isso incomode, mesmo que isso provoque rejeições.
O interesse planetário pela morte do Papa Francisco é, assim, um sinal paradoxal de vitalidade da fé. Não da fé como fenômeno sociológico, mas da fé como realidade gravada no mais íntimo do ser humano. A fé que, mesmo quando parece esquecida, lateja nas entranhas da alma. A fé que, diante da morte, reconhece sua indigência e eleva os olhos ao céu.
Em meio às lágrimas, orações e reflexões destes dias, ecoa silenciosamente a palavra de Jesus: “Eis que estou convosco todos os dias, até o fim dos tempos” (cf. Mt 28,20). A Igreja, apesar das tempestades e traições, permanece. O papado, apesar dos ataques e escândalos, continua a ser sinal de unidade e esperança. E o coração humano, apesar das máscaras e disfarces, continua a desejar ardentemente aquilo que nenhuma tecnologia, nenhum prazer, nenhuma ideologia poderá jamais saciar: a comunhão com Deus.
Em um mundo que proclama sua autonomia e autossuficiência, a morte de um velho Papa foi suficiente para desarmar as pretensões modernas. Por alguns dias, todos voltaram seus olhos para o mistério. Por alguns dias, a eternidade voltou a bater à porta da história.
Não, a fé não morreu. O que morreu foi a ilusão de que o homem poderia viver sem Deus.
Talvez, sem querer, o funeral de Francisco tenha sido um imenso ato de fé coletivo — uma confissão silenciosa, um clamor escondido, um suspiro profundo que ainda sobe da terra ao céu, dizendo: “Senhor, a quem iremos? Tu tens palavras de vida eterna” (cf. Jo 6,68).
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